segunda-feira, 19 de agosto de 2013

sincopismo.

ah, mundo, esse cercado de eternos retornos. um universo angustiado por ser tão grande e tanto caber em si. um encher e esvaziar, encher e esvaziar, do prato que se come ao tempo que se despedaça diante dos olhos. já passou. morreu o tempo e ai! o desafio do mundo - permitir que se morra de fato, pra que tanta lembrança? pra que tanta experiência, se já não se pode narrar tanto pedaço de existência espalhado no mundo, mesmo lá onde já se morreu? já passou, já virou outro mundo; alguém viu?
ah, mundo, tanto retorno, as imagens tantas vezes repetidas, tantas vezes tão as mesmas - como se não bastasse morrer, nascer também é mera repetição, pra que tanto? pra que tanta variabilidade superficial numa imensa lama de invariabilidade profunda?
e pra que tanto rosto e tanto infinito em cada par de olhos, tanto braço pra construir a evolução e o progresso do que sempre foi, sempre há de ser insuportavelmente igual e tão travestido de outra época, outro contexto, outro corpo, sempre os nossos corações?

sábado, 1 de dezembro de 2012

a experiência da linguagem neste quarto
não é a experiência da partilha
da linguagem.

as vozes soam outras
mesmo o ritmo
causa a distância impõe
o medo faz
explodir a luta
de expor-se.
verbo é concreto
como deus
como o cheiro
frio do tabaco da
lembrança
de ontem
de um amigo
que se vai:

perde-se
ontem e hoje
sente-se
qual pão dormido
seco
a falar à boca.



quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

o rosto surrealista da cidade

cresce correndo o espaço
de dentro de casa, procura-se
casa em toda parte

a literatura, meu caro,
ha-de deixar-te louco!

lisboa ja foi
e o que restou
de lisboa
foi um pedaço de casa
uma migalha de sonho
perdida em paralelepipedos

o rosto surrealista
me sorrindo e pede
"deixa-te ser, deixa
um pouco de apreço
trazer-te de volta ao
espaço, esta infâmia
que é estar em toda parte"

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

a ler sem dar assim tanta importância.

"luz vermelha na sala nao é boa coisa", falou a voz outra, aquela voz do outro lado. eu quis argumentar, quis dizer que precisava escrever, que os meus dias têm tido e sido essa luz vermelha que coisa boa nao é. e eu mesma escolhi a luz vermelha pra essa sala. escolhi porque nao imaginei que fosse sentir o vazio imenso e inevitavel de quem escolhe coisas. escolhi porque nao sabia que doeria assim, nao sabia que a luz vermelha da sala se tornaria os passos pra além da janela da sala, pra muito além da janela da sala, o sinal vermelho, a noite nessa cidade de tantas luzes, por que é a luz vermelha que insiste em se destacar? os farois dos carros, os olhos cheios de raiva dentro do metrô, porque ja é tarde, porque ainda estou voltando pra casa, por que eu ja nao estou em casa?, o que diabos eu estou fazendo aqui?. tenho vontade de ser lirica e de mandar pra puta que pariu o receio de descobrir que o lirismo na verdade tem uma medida estranha, que eu nao consigo alcançar. de nada adiantou a literatura, de nada adiantaram tantos anos de literatura, agora fica o duplo silêncio, eu ja devo ter dito demais, tao além da conta que cada palavra me faz refletir imenso, por que os brasileiros nao falam assim também?, pensar nas tantas inferências, pensar que pensar que as inferências sao tao inalcançaveis quanto o pretendido lirismo, imaginar se ainda vale a pena continuar a escrever sob a luz vermelha da sala, vermelha como o sofa, como a dor breve e eficaz que faz as putas chorarem sob uma luz igualmente vermelha nos lugares invisiveis da cidade. essa luz nao me deixa terminar.
sob a luz vermelha, eu tive delirios de escrita. e eu nao consegui muito além de meros desabafos. vazios. mas boa puta nao chora. e eu continuei aqui.

terça-feira, 21 de abril de 2009

de volta. e sem respirar.

sempre que tinha de falar amor, eu falava chorado, eu falava crescendo, mas sem direção, eu falava sentado, imune a qualquer censura, eu olhava adiante, eu sabia que sim, eu cantava de medo, eu acendia a luz, eu esperava passar, eu murrava o chão, meus pés são como facas, eu levantava e corria, eu sabia que sim, eu pensava que a musica era então natural, preparar cha sem leite, como que pra desafiar os costumes, gritar a toda gente, sair de casa e sorrir, sempre que eu tinha de falar de amor, era assim que acontecia, quatro paginas para terminar um livro, a graça e a solidão, eu finalmente estou sozinho, como se fossem so vidas, so vidas e mais as vidas do outro, porque é assim quando se tem de falar de amor, tem o outro, tem o outro até insuportavelmente, e eu não sei dos outros, mas ha aqui os olhos, um par deles, aqueles olhos aos quais obedeço, quando crescem ou quando fecham para dormir, sem verbos reflexivos, dessa vez sem gritos, que o amor é surdo, que o amor é burro, que o amor é doce insulto.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

com o tempo, a franqueza.

o que eu esperava que fosse acontecer? agora você está aí, o chão é tão escorregadio na rua, a rua é tão cheia de gente... não era bem isso que você queria? andar pelas ruas aqui tem algo de estranho, de mais estrangeiro que em qualquer outro lugar. antigamente, você andava pelas ruas e não conhecia as pessoas, mas tudo era confortavelmente familiar... você não se importava tanto assim com tantas coisas. ou se importava com outras bem diferentes. tanto faz, mas a questão é que, de qualquer forma, era bem isso que você queria.

"e quem é você pra dizer?", mas você diz. o que existe em você de terrivelmente humano é pensar que você tem o direito de dizer alguma coisa. e você diz e pensa que tem a voz de todos nós, que tem a excepcional propriedade de ter uma só voz. é terrível, você tem plena consciência - também essa tão humana! - de pensar que tem alguma idéia da própria megalomania. e você se sente ora mal, ora muito mal, ora indiferente, ora bastante inteligente, porque às vezes você se convence de que sabe mesmo, de que a sua voz é de fato representativa de algo. mas não, não desista de pensar. daí vem alguma da sua graça. daí vêm os momentos em que você se crê útil e eu também não gostaria de te deixar insatisfeito consigo mesmo mais uma vez. eu sei que você se crê inútil boa parte do tempo e que essa é das suas maiores preocupações, uma das maiores críticas que tem em relação a si mesmo.

mas era isso que você queria e o que eu esperava que fosse acontecer. você sempre foi assim e não teria como ser diferente agora; mais, não teria como não ser exatamente como eu esperava que fosse acontecer: a sua sede por situações perfeitas, ou melhor, por circunstâncias perfeitas, essas que te movem, essas que te fazem não ser útil, mas se crer útil, são justamente as suas maiores inimigas. e é ai que você se dá conta. é terrível, eu sei. você também sabia. você sabia bem, mas é isso de que, pelo menos você pode se orgulhar... você não se importou, mais uma vez, com toda a dificuldade que isso traria, com como isso tudo desafiaria a sua natureza de pretender que circunstâncias podem ser perfeitas. você tem essa ingenuidade particularmente infantil de acreditar que os inimigos podem se tornar amigos. ou que você pode domar os seus próprios inimigos, eu não preciso explicar, porque você sabe bem.

não se lamente, você também aprendeu e procura a todo custa acreditar que a vida tem um ritmo que ninguém consegue realmente entender - aí você diz por todo mundo, é a sua voz se tornando única mais uma vez, com a força de todas as gerações, culturas, tempos e línguas - e que esse ritmo é ao menos bastante bonito, apesar de criar tanto sofrimento, tanta preocupação e que , de alguma forma, não me pergunte qual, você vai se tornar uma pessoa boa, uma pessoa que vale mesmo a pena, que faz o que deve, que vai vencer na vida, que vai, no fim das contas, ter algum orgulho de si mesma.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

tentativas.

tentaram entrar
por um buraco sem nome
como as ruas ao lado
todas sem nome
todos os receios
sem saber quais sao

e era justamente isso
ficaram presos no meio
do buraco
sem sabor sem criacao

sem virgulas
que a vida nao respira
a vida esta ofegante
sem espaco sem onde.