e fazia muito tempo que não se viam. muito, muito tempo... eram amigos duma infância já distante, dos risos nas aulas de teoria musical. os cabelos dele eram mais claros àquela época, com um topete sempre presente e uma voz de personagem de desenho animado. ela era uma menina dócil e gordinha e gostava das aulas de piano bem mais que ele. ele, na verdade, só fazia aulas de piano por imposição dos pais. ela calculava que os pais dele esperassem que ele fosse hábil nas teclas como sua irmã. mas ela não, ela tocava com toda a paixão possível, por mais que compreendesse as demais preferências dele.
e fazia muito tempo, muito tempo que não se viam. reencontraram-se graças a um terceiro amigo, que seria decisivo na vida dela, alguns anos mais tarde. ele os recebera em sua casa. ele foi grosseiro com ela, mas ela compreendeu que era coisa da idade. que idade ele tinha, àquela altura? uns 15 anos, talvez? a dureza de espírito dele não durou assim tanto tempo. talvez dez minutos, quando ele viu que ela poderia lhe ensinar alguns passos de dança.
e fazia já tempo. ele a condenara por ter se tornado uma típica adolescente revolta, com toda aquela ânsia por chamar a atenção. todo adolescente é assim, todo adolescente deve ser assim, pra evitar futuros momentos patéticos. ele não sabia condenar qualquer coisa que fosse sem ser alguém extremamente duro. ele não sabia viver sem ser extremamente duro. ela continuava dócil, embora já não fosse aquela menina sonhando em ser pianista, tocando pour elise de olhos fechados. mas continuava dócil. e gostava de repetir pra si mesma que oras, compreendia tudo. talvez ele se comovesse secretamente com aquilo.
e além do muito tempo sem vê-lo - fazia mesmo muito tempo -, ela foi pra muito longe. resolveu viver algum tempo fora do país. cansara-se de seu país. mais: cansara-se de sua língua materna. ele lhe deixava recados, pedia que desistisse de tudo, que voltasse para lhe dar um abraço daqueles. daqueles abraços a que eles deram um nome especial. daqueles em que podiam se sentir protegidos. poucos movimentos de corpo dão a mesma sensação de proteção que um abraço. ela se apiedava, sentia a falta imensa, mas não podia voltar. não àquele momento. não sem antes descansar da língua materna.
ela não o veria mais. ou não faria diferença se o visse. agora ele era muito outro e nada mais cabia. é estranho que as pessoas se tornem outras, embora seja sempre muito natural também. ele continuava duro, ela permanecia dócil. a dureza e a docilidade são cidades muito diferentes; dir-se-ia línguas diferentes. foram muitos, muitos anos pra que ambos compreendessem.
e a história terminou com uma triste melodia para piano.
quinta-feira, 6 de setembro de 2007
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4 comentários:
Ahhhhhhh, how cute, ela conhece meu gênero favorito!!!
PS: Eu não vou ler esse seu texto imenso, mas pelo menos, pensa, eu não vou ler um parágrafo e fazer um comentário em cima dele fingindo que li tudo, huaihauuha.
Beijão, bom feriado.
Last but not least...
"faço português-italiano"
FOOOOOOOOOOOOODA!
sim, sim. pela primeira vez eu também digo "saudades de são paulo".
depois vou ficar aqui lendo seu blog...
p.s: num é "seja o que for", não. é "seja o que flor"...é leminski :)
Engraçado, não é a primeira vez que leio um dos seus textos e sinto como se conhecesse os fatos. Mas dessa vez sequer vou dar a chance de debater se é de verdade ou não. Foda-se.
Agora, seja lá o que for me faz compartilhar esses sentimentos, de alguma maneira, justamente porque, pra mim, é algo real.
OBS - muito bom esse lance de "fugir da língua materna". hahahah.
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